8 de janeiro de 2017

Quem sabe um dia

Quem sabe um dia
serei citado e lembrado por estudiosos
Quem sabe um dia
nossos encontros poéticos entrem pra história
Quem sabe um dia
os novos artistas queiram ter vivido o que passamos, assim como queria ter vivido as vidas de ícones passados
Quem sabe um dia
sonhem conosco e pensem entender a fase difícil que vivemos e percebam que nem é tão difícil quanto à que eles vivem
Quem sabe um dia
nos tornem mártires por não termos feito nada de mais
Quem sabe um dia
citem os amores que tive e inventem outros tantos criando boatos de musas inspiradoras para minhas obras
Quem sabe um dia
nem chamem minha arte de obra
Quem sabe um dia
entendam a poesia que eu enxergava em mijar na lateral da privada quando estava calçado, para não pisar no tapete que ficava em frente a privada
Quem sabe um dia
entendam o prazer de eu pisar descalço no tapete que fica em frente a privada
Quem sabe um dia
não percebam o trocadilho das minhas palavras e entendam aquilo que se passava em minha mente e eu nunca entendi
Quem sabe um dia
abram a porta para eu sair
Quem sabe um dia
eu perceba que nada me impedia como no filme de Buñuel
Quem sabe um dia
eu consiga dançar uma música lenta com o rosto colado ou olhando nos olhos de alguém
Quem sabe um dia
entendam minhas dores como pensam que entendem os rinocerontes, sejam os de Dalí ou os do zoológico
Quem sabe um dia
me considerem um artista de vanguarda de alguma outra categoria criada como consideravam Toulouse Lautrec do modernismo e da art nouveau
Quem sabe um dia
nada mais faça sentido
Quem sabe um dia
tudo seja sentido
Quem sabe um dia
entendam aqueles versos que forcei escrever em uma madrugada, mesmo sem estar tão inspirado quanto esperava


Giovanni Venturini - 05/01/17


20 de março de 2016

Amor Parasita

O Amor é esse bicho faminto e sem paladar.
Devora cada pedaço do meu ser, digere lentamente e regurgita algumas partes, só para ter o prazer de devora-las novamente.

O Amor não tem olfato e fede a esses cigarros baratos.
É uma fumaça que impregna cada canto da pele e cada pelo. Cada gota do meu suor e das minhas lágrimas. Esse fedor que anuncia chegada.

O Amor não tem tato, nem tenta me sentir.
Fica apenas se apalpando, como se quisesse penetrar sua própria pele. Sou Eu quem sinto os arrepios. É Ele quem provoca. Mas se poupa de me roçar.

O Amor não enxerga nem a si, quem dirá o que está a sua volta.
Isso já é fato sabido. Sua cegueira é vista como medo da perdição no próprio ego. Por isso permanece cego.

Mas o que ninguém sabe é que o Amor é esperto.
Expulsou tudo de mim para ter seu próprio espaço.
Eu, como bom hospedeiro, o trato bem. Por vezes sinto incomodo e coceiras internas. Meu corpo até tenta se livrar desse importuno parasita. Mas Ele, o maldito do Amor, é bicho ruim!
Uma praga, difícil de se livrar. Cada vez morde mais fundo e injeta seu veneno em mim.

Pouco a pouco me deformo, definho e desfiguro.
Quando olho no espelho, já não me reconheço. Não sei sequer meu nome. Já me trato pelo outro e me refiro a tudo no plural. Nem falar eu sei mais. Balbucio sons e expressões que só Eu e Ele entendemos.

Tem dias que me sinto melhor, como se Ele tivesse abandonado a morada que fez em mim. Tem dias que sinto falta, acho que não há vida de hospedeiro sem parasita.

Dizem que a cura é quando deixa de ser platônico.





Giovanni Venturini – 04/09/2015

2 de março de 2016

Peito Ártico

penetro tua caixa torácica
com meu coração fálico
faço dele um barco
para atravessar teu peito
ártico



Giovanni Venturini - 03/07/2015

17 de fevereiro de 2016

Peter

Peter, 

Muitas vezes temos a faca e o queijo na mão, mas optamos em ir até a ratoeira.
Caímos nas armadilhas do comodismo e do caminho mais fácil.

É muito mais simples nos colocar representando “um dos sete”, do que desenvolver um roteiro digno, com uma história que subverta essa lógica, que mostre o outro lado, que mostre o ser humano que somos. É muito mais fácil alimentar e contribuir para que nos enxerguem sempre como os seres mágicos, míticos e fantásticos, que na verdade não somos. 

Você mais do que eu, sabe que isso também se deve a um posicionamento nosso em não aceitar esses personagens. Enquanto tiver gente dizendo sim a essas condições, serão oferecidos somente esses estereótipos batidos e sem graça de personagens “feitos para nós”.

Ultimamente tenho conseguido me esquivar e escolher somente o que considero digno. Mas me pergunto: até quando? Vou bater de frente sozinho? Vou condenar quem aceita isso? Eu também já aceitei por muitas vezes...Todos temos que viver, pagar contas e nos alimentar.

O caminho é árduo e tomo alguns escorregões.

Quando você acha que está tudo indo para o lado certo, que o olhar das pessoas estão mudando, e que enfim conseguimos fazer a mídia nos enxergar com dignidade, eis que surge algo que nos arrasta à força ao mesmo ponto.

Peter, todos sabem que você é um ídolo e inspiração para que eu siga firme no caminho... mas confesso que vez ou outra dá um desgosto essa nossa profissão. Uma vontade de desistir e deixar tudo como está. Como mudar o olhar do mundo? Algumas decisões são difíceis. 
Às vezes, mas somente às vezes, me enxergo como todos os outros me enxergam: pequeno para mudar tudo isso.
Falta mais que criatividade para mudar. Falta coragem dos roteiristas, dramaturgos, escritores, diretores... até mesmo nossa.

Uma das lições mais valiosas que aprendi com a minha mãe é: “Quem quer faz. Não pede, não manda. Faz!”. Não podemos mais ficar esperando que os corajosos e criativos apareçam para mudar isso. Até porque são poucos os que pensam assim. Esse caminhar é nosso.

Por aqui os passos ainda são curtos. Vou precisar retroceder. Dar um passo atrás para me animar e conseguir dar dois à frente.
Ainda não enxergo o final do caminho. Talvez nunca o veja, mas quero ter certeza que cheguei o mais próximo possível.

Precisava dividir isso com alguém que me entendesse. Não achei pessoa mais indicada que você.
Sigamos! Você daí e eu daqui. Quem sabe um dia lado a lado.

Forte abraço.

Obrigado pelo combustível que você é.


Giovanni Venturini   - 15/02/16

30 de abril de 2015

atropelo

todos os dias nuvens atropelam prédios de 20 andares ou mais
o vento que balança tudo que se prende no fio elétrico
rabiolas, tênis e pombos
é o mesmo vento que joga o agora longe do tempo

já não tenho copos inteiros para usar
é sempre uma lasca, um caco ou rachadura
pra levar à boca
é sempre um corte, uma afta ou uma gota
pra calar a boca
esse mosaico incompleto que é a vida
esses retalhos e sobras de tecidos
esses recados de sombras distorcidas

a sujeira do meu pensamento
se traduz em papel amassado no quarto
as palavras por si só, não se bastam
se perdem em sentidos sem norte ou bússola
preferem a morte em qualquer esquina
se humilham e se jogam em qualquer trilho

é sempre o mesmo jogo de palavras
as mesmas rimas inocentes
rimas inocentes
rimas e no sentes
rimas e não sentes
nada

é fácil dormir e não sonhar
difícil é acordar contudo
é fácil escrever qualquer coisa que vem a mente
difícil é sentir cada vírgula que deixei de acreditar

penso no tom pra ler isso em voz alta
leio alto isso para imaginar como penso em silêncio
cada letra respirada é perdida
me falta fôlego pra dizer o que me tira o fôlego
engasgo com meus esses, erres, erros e egos
me perco, me calo e me cego
com as nuvens atropelando prédios
e eles seguindo intactos



(Giovanni Venturini - 06/04/15)

24 de dezembro de 2014

Carta de reconciliação

Para Vida


Você foi dura, foi seca, crua e aprontou comigo, Vida.
Esse tal Dois Mil e Quatorze foi difícil, inconveniente.
Chegou devagar me acariciando, e fazendo promessas
de amor, de trabalho, de melhoras, de tudo.
Demorou a passar, deu coice, foi duro
foi rude e dizem que foi o mais quente.
Eu cai na lábia Dele, e você também né Vida?
Esse complô de vocês foi covardia, e ainda mais desse Júpiter que regia.
Foram lágrimas, decisões, revelações e dúvidas.
A cada virada, uma nova trama, tipo novela Mexicana.
As coisas pioravam e vinha você Vida, me acariciando toda meiga
dizia que ia passar, que estava melhorando então surgia
um novo problema, uma nova ofensa.
Foi malvada, um tanto quanto satírica, sádica, sódica...caustica.
Corroendo e rindo a cada erro, a cada lágrima, a cada DESGRAÇA.
E olha, que não foram poucas, mas deixemos de lado essa palavra.
Ela atrai mais coisa ruim, minha mãe sempre diz isso para mim.
E por falar em atrair, em trair, em mentir
enganar, em sofrer, em fingir
você sabe muito bem o que é isso não é mesmo, Vida?
Foi o ano que você mais mentiu, sorriu amarela
com cara de inocente, fez juras, promessas
eu, inexperiente, cai em todas elas.
Mas teve uma hora que até mesmo você cansou.
As tempestades, trovões, os ventos, o fogo de Iansã e Xangô uma hora cessou.
Não tinha mais o que aprontar, o que fazer, onde revirar. Deu uma trégua.
Esse tal Dois Mil e Quatorze foi chato, mas aprendizado a gente sempre leva.
Olha, não sou só eu que ando reclamando, a grande maioria quer que acabe esse ano.
Vida, eu sei que vocês tiveram uma relação intensa e profunda, mas foi fugaz.
Aprendemos muito, evoluímos, amadurecemos, porém é hora de deixar Ele para trás.
Mesmo eu reclamando, foi importante ter vivido e passado por tudo isso.
Nada vai ser apagado, oque aconteceu ficou para sempre na memória.
Volta para mim Vida, chegou à hora.
Precisamos nos livrar de ferrugens,
larga desse tal Dois Mil e Quatorze, mas nada de Dois Mil e Crise.
Eu te perdoo, e espero que você também, afinal as falhas não foram só suas,
eu tenho minha parcela de culpa.
É hora de revirar essa página com nossos erros.
Vida, Dois Mil e Kiss-me , beije-me,
Quis-me, Queira-me inteiro.

Ansioso te espero.



Giovanni Venturini – 22/12/14

16 de dezembro de 2014

como ver uma mosca voando ao seu redor
e não ter a compulsão de matá-la
como um grão de pó que gruda na lente do seu óculos
e não querer limpá-la
como uma gota que invade seu relógio
que não é a prova d’água
como perder a tarraxa do brinco
que mais gostava
como estourar a correia do seu chinelo
e ter que andar descalça

eu sou essa coisa pequena
que te deixa incomodada
essa inconveniência
que não sai da cabeça
essa miudeza
que finge que não liga
essa impertinência
que te preenche inteira
eu sou aquilo que te irrita
e não te sossega
eu sou o pouco
que te faz muito
um pequeno nada

do seu tudo


Giovanni Venturini - 21/07/14